domingo, 15 de fevereiro de 2009

Pedro Rolo Duarte

Histórias da vida normal (na IKEA)
Precisava de uns roupeiros e lá fui à “democrática” IKEA disposto a resolver o assunto, depois de umas horas em casa a medir, imaginar o inimaginável e desenhar esquemas.
Na zona onde se exibem estes objectos anódinos e sem graça estava um rapaz muito simpático, o Valter, que em minutos me esclareceu as duvidas que tinha e ajudou na fase seguinte.(Toda a gente já sabe, mas pode haver um leitor para quem a IKEA seja misteriosa: ali, naquela gigantesca dupla-gare, o cliente, para pagar pouco e obter qualidade, carrega “caixas planas”, que vai buscar a armários e prateleiras numeradas, onde se encontra a mobília desmontada e, nalguns casos, depois de pagar na caixa, ainda vai a um outro balcão buscar o que pode faltar. Por fim, escolhe: ou carrega para casa e monta sozinho, ou paga para que transportem e montem. Ou seja, quem pode, paga. Já usei as duas variantes, em Portugal e em Espanha, e dei-me bem, apesar da absoluta falta de jeito para a bricolage).Voltando ao tema. Encaminhei-me para a zona das “caixas planas” com o indispensável carrinho e quando cheguei à secção 55 do corredor 01 percebi que estava metido numa alhada: o meu “carro plano” não aguentava o peso dos primeiros 6 volumes (de um total de 29...) a carregar. Não admira: esses primeiros pacotes pesavam 257 quilos... O total dos volumes dos roupeiros pesava 381 quilos.Nesse momento dei graças a deus por estar na IKEA: dada a politica socialmente correcta da empresa, as suas preocupações igualitárias, e a sua apregoada relação com o bem da humanidade, certamente os funcionários iriam ajudar o pobre desgraçado a empurrar um número indeterminado de “carros planos”, com quase 400 quilos, até às caixas. Depois de liquidados os euros necessários para aquela “carga”, eu levaria os carros, à vez, até ao balcão de entregas ao domicílio...Fui para uma fila de apoio ao cliente. Mas parece que era o único a sofrer aquele “problema” de querer comprar demais para as evidentes capacidades físicas. E a funcionária foi taxativa: “A política da IKEA não nos permite ajudar o cliente com os carrinhos”.
Pedi-lhe para repetir.Ela repetiu.
Eu encolhi os ombros, disse um vago “nesse caso, não posso comprar na IKEA”, deixei tudo como estava, e onde estava, incluindo um saco amarelo com uns suportes para papel higiénico e seis copos perfeitos para gin tónico, e parti para o balcão das reclamações.Reclamei formalmente.
E agora estou aqui a declarar que não vou comprar os tais roupeiros na IKEA e que daqui em diante evitarei o mais que puder – nem sempre se pode evitar, eu sei... – a IKEA. Senti-me discriminado por ser um homem só, percebi que a minha mãe, de 78 anos, jamais poderá comprar sozinha ali. Eu, que sempre defendi aquele conceito, que ía a Madrid de propósito para comprar na IKEA, que saudei a abertura da primeira loja em Portugal, percebi que a IKEA tem esse outro lado menos simpático e porventura injusto. O de discriminar quem não tem condições para cumprir as premissas da loja (jovens, urbanas, acasaladas, familiares, enfim, estatisticamente correctas no ano de 2008...), mesmo que esteja disposto a pagar por isso.Um frio que se sente num espaço que se vende como quente. Uma desilusão num cenário que tinha tudo para ser perfeito. Um balde de água fria, foi o que foi.

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